Vodafone Paredes de Coura – 31ª Edição

Há uma vila castiça a norte de Portugal, onde os habitantes vivem interligados por um amor comum: a música. Todos os anos, reúnem-se para escrever uma ode em tom de festa com todos os seus amigos. É uma escrita coletiva que se torna poesia.

Senhoras e senhores, o título deste poema é: Vodafone Paredes de Coura.

De 14 a 17 de Agosto, Paredes de Coura torna-se o palco desta festa que recebe artistas de todos os cantos do globo, festivaleiros sedentos de música boa, e repententes de residentes das margens do taboão que brindam todos os anos à maravilha que este festival é.

 

VODAFONE PAREDES DE COURA 2024
_ 14 a 17 de Agosto
_ © Hugo Lima | instagram.com/hugolimaphoto | hugolima.com

 

Dia 14 

 

First Breath After Coma + Noiserv + Banda de Mateus

 

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Os festivais têm nos habituado a uma coisa: a nunca esperar a um cartaz intacto do inicio ao fim. Faz parte da logística, mas tira-nos anos de vida a espera e a consequente desilusão aquando de uma “desistência de última hora”. Respeito máximo por quem gere estes sentimentos e que tenta dar um bombom para apaziguar o coração. Esse bombom foi uma trilogia musical que veio tapar alguns buracos do cartaz. Estamos a escrever sobre First Breath After Coma + Noiserv + Banda de Mateus.

Sabia-se que iria ser especial, mas superou todas as expectativas. O sol já começava a espreguiçar, e todos estavam sentados confortavelmente para assistir à magia que naquele palco começava a fervilhar. A combinação foi perfeita, à quantidade de pessoas em palco igualava-se o talento e a mestria de coser uma teia de emoções. Feridas saradas.

 

Glass Beams

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Voámos até à Austrália/India, onde se saborou uns sabores exóticos, que apimentaram o palato naquele fim de tarde. Os comandantes a bordo da nave do multi-instrumentista Rajan Silva, de cara tapada mas de coração aberto, mostraram o ritmo a que se pode fazer a festa e (quase todos) não ficaram indiferentes ao que por ali se orquestrava.

Escrevemos que o concerto dos Glass Beams foi um dos concertos do dia, e do festival, e quem escrever o contrário está a mentir – perguntem a quem dançou do início ao fim!

 

 

André 3000

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Seguramente, André 3000 era um dos nomes mais aguardados do festival. O merch que estava à sua volta no stand, e as expectativas eram elevados. A parceria de talentos como, Kamasi Washington, exponenciaram ainda mais o que poderia surgir daquele nome, sítio e espaço. O que havia ter sido uma expectativa elevada,  derrapou num compasso longo que terminou, por conseguinte,  numa profunda desilusão.

O álbum mais recente que prometia ser uma fusão de emoções ao vivo, não foi tocado, mas sim uma jam session de plena improvisação, que deixou quem assistia – no mínimo – confuso.

Aquilo que seria uma experiência meditativa gerou bocejos consecutivos pelo recinto. De notar que, a experiência de espetáculo (luzes, cores, etc.) foi efetivamente o ponto positivo deste concerto.

 

Sampha

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Depois da pequena desilusão do concerto anterior, era necessário um refresco para os ânimos serem levantados; este refresco teve de nome Sampha – o britânico de South London deu um espetáculo de todo o tamanho com um timbre de veludo de quebrar corações e com uma energia majestosa dignas de terras de rei.

Houve de tudo naquele palco, sendo necessário destacar a reunião de percurssão, que fez com que o público saltasse em sintonia. Escusado será escrever que foi o melhor concerto do primeiro dia do festival.

Thank you very much, Sampha.

 

Killer Mike

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Já em direção ao campismo, ouvimos um coro gospel que nos fez regressar e parar para o último concerto do palco principal daquele dia – perto das 01h00. Parámos e vimos um senhor todo simpático a rappar e a declamar filosofias de vida. Decidimos ficar por lá por mais um tempo para ouvir o que dali iria sair (e valeu totalmente a pena!). Killer Mike debitou histórias vividas pelo seu coração, com um coro de gospel de encantar. Vozeirões de todas as dimensões que chegaram às profundezas do ser com tamanha elasticidade de amplitude vocal.

Que bom que foi!

 

Dia 15 

Gilsons

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À tarde, derretem-se os festivaleiros sob o ardente sol, prostrados na sua varanda natural com vista privilegiada para o rio Coura. Ao cair da noite, derretem-se de amor pelas mãos do caloroso trio, Gilsons.

José Gil, Francisco Gil e João Gil trazem o nobre apelido ao peito com sincero compromisso – e gentileza. Filho e netos de Gilberto Gil, pincelam a nova tela da Música Popular Brasileira de fulgor e vida, com a sabedoria de quem sabe cultivar frutos prósperos e próprios, sem ficar acorrentado às raízes.

Deliciaram-se os ouvintes com as melodias do aclamado EP ‘Várias Queixas’, e ainda mais com o encanto do amoroso trio. Foi num quente uníssono que os festivaleiros se despediram do dia, com o fim de tarde perfeito para as ternas melodias. No habitat natural da música, nenhuma alma com ‘Várias Queixas’ foi identificada. Pode dizer-se que, com o público courense, só mesmo ‘Love Love’.

 

L’imperatrice

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Os festivaleiros de assídua repetição, com lugar de tenda já (quase) cimentado de ano para ano, bem sabiam o fenómeno celeste que se antecipava. Há dois anos atrás, l’imperatrice haviam dado à luz a mais bela surpresa do festival. Como sempre, Coura soube retribuir o amor. O resultado? Sulcou-se no Vodafone Paredes de Coura 2022 o concerto que, até à data, se mantém no predileto lugar de melhor concerto da carreira da banda francesa. Não se trata da minha opinião – a revelação chegou pela doce voz da vocalista Flore Benguigui, a lançar bem alto a fasquia.

O universo de disco e eletrónica, luzes em cadência perfeita e corações luminosamente palpitantes abraçou repetentes e estreantes, todos unidos nesta rendição. A sublime simbiose de disco sound e electrónica fez até doce homenagem aos primogénitos Daft Punk. Entre teclados rigorosos, guitarras frenéticas e cândida voz nasceu de novo o amor, renovada surpresa do festival.

Quase se torna desnecessário ressalvar que todas as expectativas se cumpriram e superaram. Aliás, novamente a banda homenageou o público courense para os olhos do mundo, na sentida conotação de ‘Favorite Crowd’ que circulou pelas próprias redes (citando o elogio de fazer corar para vaidade coletiva: “Favorite place favorite crowd favorite vibes favorite show of all times, merci merci merci we love you so much !”).

 

Slow J

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Arrisco-me a dizer que o nome que se seguiu no Palco Principal não é estranho para ninguém – talvez apenas para os inúmeros estrangeiros estreantes em Coura, se assim for. Slow J dispensa apresentações, mas vai tê-las. Nome maior da música portuguesa contemporânea, conquistou não só com o completo arsenal de instrumentos que o emolduravam (sem esquecer a já costumeira guitarra portuguesa), mas sobretudo com a simplicidade e delicadeza que sempre o vestem.

Com a sua aguçada curiosidade de compreender e mudar o mundo, tornou-se num novo embaixador da Portugalidade, a do “Afro Fado” (2023), de brilho sublime em toda a sua multiplicidade de cores e feitios. É um símbolo de esperança para todas as vozes que o acompanham em uníssono em Coura. Que se abraçam e unem ao som dos cânticos de vida. Que celebram o amor, findada a aguardada espera pelo artista. E todo o amor é retribuído; como o próprio assumiu, há anos que aguardava a oportunidade de brilhar no habitat natural da música.

 

Dia 16

Cat power

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Lentamente, o recinto foi-se enchendo de curiosos e fãs que queriam assistir ao concerto de Cat Power. O que eles não estavam à espera é que o concerto iria derrapar tão rapidamente, e por lá iria ficar ainda algum tempo.

Tudo começou com problemas técnicos que desencadearam sucessivas mudanças de logísticas no palco: desde luzes, até ao microfone. Cat power, via-se mesmo indignada e num ritmo frenético a mudar e ajustar acessórios. A dada altura, tornou-se mesmo destabilizador para quem estava a assistir e, por momentos, todos nós questionávamos o que estaria a acontecer.

Não foi o melhor concerto do dia, de longe nem de perto.

 

 

Girl in red

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As expectativas para Girl in Red estavam altas. Toda a preparação do palco (uma mega produção, por sinal) estava a atrair os fãs e os curiosos de todo o mundo da cantora australiana. Assim que entrou em palco, contagiou tudo e todos com a sua energia frenética que, não estava no seu extremo por estar a sentir jet lag da sua última viagem a Bali antes de voar para o couraíso (destinos bem parecidos!).

Houve de tudo: foguetes, efeitos especiais e muitos corações partidos que foram sarados coletivamente.

 

Idles

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Senhoras e senhores, Paredes de Coura estava tão bem preparada para receber o furacão de Bristol, Idles. De presença carismática, todos se predispuseram a arregaçar mangas, tapar boca e nariz, para saltar ao ritmo da da banda de punk rock.

Num caos bonito instalado, temeu-se pela vida e cantou-se com os pulmões não tão limpos às melodias da banda composta por Adam Devonshire, Joe Talbot, Mark Bowen, Lee Kiernan, and Jon Beavis. Tocaram, essencialmente, o seu mais recente álbum “TANGK” (2024) e outras grandes canções que dão as boas vindas a múltiplos mosh-pits.

Dançou-se muito e tão bem!

 

Mdou moctar

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Mahamadou Souleymane, também conhecido por Mdou Moctar, trouxe a sua banda ao palco secundário do Vodafone Paredes de Coura e foi, seguramente, uma das grandes surpresas do festival. Com uma sonoridade única e recheada de sabor, o artista nigeriano tocou nas cordas da sua guitarra o talento que tem e a energia boa que transborda ao público abriu o coração para receber estes acordes.

 

Ninguém parou de dançar e isto traduz bem a tonalidade de festa que este concerto teve.

 

Dia 17

 

Slow Dive + Fountaine D.C.

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Paredes de Coura fechou-se de guitarra na mão. Primeiro com Slowdive, já muito acarinhados pelo público a electrizar a atmosfera com o seu shoegaze.

Todavia, o público guardava o maior dos entusiasmos para a estrela cadente que se erguia essa noite – a chegada cósmica dos Fountaines D.C..

Dois anos após a estreia em Portugal no Nos Alive, a banda irlandesa voltou a afirmar-se como nome maior do rock contemporâneo. De bandeira irlandesa sempre em punho, foram cravando a história da juventude do seu país nas suas letras conscientes, reflexo de um mundo em profundo devir. Coura abriu-lhe o coração em uníssono.

Continuam a crescer (aliás, com o lançamento do novo álbum “Romance” (2024), poucos dias após a passagem pelo habitat natural da música) e a fazer crer que serão muito mais do que estrelas cadentes no mundo da música – vieram mesmo para iluminar.

 

 

Moullinex △ GPU Panic

 

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Fechado o palco principal, foi tempo da dupla Moullinex △ GPU Panic ocupar o palco secundário. Todavia, a verdade é que não se ficaram pelo palco mas sim bem no centro, imersos num público em êxtase pela fusão de vida e tecnologia perante os seus olhos.

Sob o luar final de Coura foram brisa a refrescar a noite. A descolar até os pés mais cansados do chão. A bradar agradecimentos pelo prazer e privilégio de ali estar. Afinal, tratava-se nada mais nada menos do que o habitat natural da música, que mira agora impacientemente o relógio, na esperança de enganar o tempo e trazer os festivaleiros para junto de si mais cedo.

 

De coração bem apertado dizemos: Até já, Paredes de Coura!

 

Maria Alves da Silva

Mariana M. Martins

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