Super Bock Super Rock 2023: o regresso ao Meco
Já dizia o velho ditado, “o bom filho a casa torna” e o Super Bock Super Rock não foi exceção. Depois de alguns reencontros adiados, o ano de 2023 ficou marcado pelo seu regresso (oficial!) à Herdade do Cabeço da Flauta, no Meco. Na bagagem, levou consigo um cartaz bem eclético, recheado de artistas que prometiam tornar a 27ª edição do festival memorável – será que conseguiu?
O caminho era abraçado por Sobreiros que marcavam não só os kilómetros até ao Meco, mas também o início desta aventura. Assim que se pisou o chão do recinto, sentiu-se o muito que já se tinha vivido naquele lugar e ainda mais o que por lá se iria viver. Com o acampamento mais que pronto, fomos em direção ao banquete musical do primeiro dia de festival.
Dia 13
The Legendary Tigerman
Passo a passo pelo recinto, após o obrigatório reconhecimento do espaço, dirigimo-nos até ao palco principal onde já se encontravam os primeiros festivaleiros sedentos de um Super Rock. As guitarradas iniciais desmascaram o primeiro artista lendário, seu nome Paulo Furtado, e tatuado The Legendary Tigerman na alma. O artista português trouxe a palco muitos dos seus talentosos amigos, começando pela norte-americana Sarah Rebecca, os portugueses The Best Youth, a Anna Prior dos Metronomy, entre outros. Não faltou a sofisticação que lhe é característica, e conseguiu espalhar a essência do Rock & Roll pela Herdade do Cabeço da Flauta, magistralmente.
Um dos momentos mais marcantes foi a sua versão da icónica música These Boots are made for walkin’ da Nancy Sinatra. A sua versão original da música, que incorpora a banda sonora do filme Pulp Fiction, conta com a voz de Maria de Medeiros (também atriz do mesmo filme). Para fazer tal missão chamou a palco Catarina Salinas (Kate) dos The Best Youth que a cumpriu com sucesso.
Noiserv
No dia em que os cabeças de cartaz eram Franz Ferdinand, houve o infortúnio de sobrepôr o concerto dos mesmos com o de um artista português admirável – Noiserv. Era notório o pequeno número de pessoas que aguardavam pelo concerto de Noiserv. No entanto, este facto fez com que o concerto conseguisse vestir uma roupagem intimista aos curiosos que se mantiveram por lá.
Há algo de fascinante num concerto de Noiserv – é uma verdadeira caixa de música, onde todos os instrumentos se reúnem e orquestram melodias que ficam na alma. Destacam-se canções dos álbuns “Everything Should be Perfect Even If No One’s There” (2014) e “Uma Palavra Começada por N”(2020). Ainda que algumas das canções tenham sido “abafadas” pelo baixo de Franz Ferdinand, Noiserv manteve o foco e o público conseguiu ficar imerso na sua arte até ao fim.
Franz Ferdinand
As horas seguiram a sua marcha lenta. O primogénito dos pores do sol desta edição soprou os primeiros ares de sua graça para uma multidão em busca de semelhante bênção – o retorno celeste de Franz Ferdinand. E não desapontou.
A veemente pulsão de Alex Kapranos conduziu elegantemente um concerto não menos elegante – desde o alinhamento que exultou os clássicos, até à entrega do mestre, verdadeiro performer. O síncrono vínculo entre o baixo de Bob Harley (devoto há mais de 20 anos, juntamente com o vocalista, ao fiel serviço do quinteto), a guitarra de Dino Bardot, a bateria de Audrey Tait e os incontáveis atributos de Julian Corrie, criou a vibrante sinfonia, pujante e sísmica, que se propagou pelo solo do Meco e ordenou todos os ouvintes a balançar à sua chegada. Os clássicos, como “No You Girls”, “Evil Eye” e a incontornável catapulta para o êxito mundial, “Take Me Out”, ecoaram e fizeram qualquer expectador impávido, crente de que a máquina do tempo havia escolhido aquela geografia tão especial para viajar até 2004. Despedem-se após colorirem todo o crepúsculo de encarnado, não fosse o fim de “This Fire”.
Black Country, New Road
Talvez fosse um dos nomes mais aguardados desta edição do festival, ora não fosse a estreia da banda britânica num festival, em Portugal. A primeira vez que os Black Country, New Road deram um concerto em Portugal, fora no dia anterior ao do Super Bock Super Rock, no aquário da ZDB, num concerto relâmpago anunciado apenas 2 dias antes!
Um concerto de Black Country, New Road permite viajar não só pelo espaço, mas também pelo tempo. Imaginam-se campos verdejantes que rodopiam num hipnotizante frenesim. Vozes singulares, violino, saxofone, bateria, piano, baixo, são os ingredientes desta orquestra jovem que rejuvesce o estilo em si, pontuando-o com os seus acentos, e não deixam ninguém indiferente à sua sonoridade. Apresentaram temas dos seus dois álbuns, “Ants From Up There” (2022) e “For The First Time”(2021).
The Offsprings
Não fossem os já quase 40 anos de estrada e estranhar-se-ia o fenómeno que o Meco viu nascer, ali, em frente aos seus saudosos olhos. Uma corpulenta plateia, de gerações demasiado heterogéneas para sumarizar, ecoa o punk rock dos The Offspring numa voz nostálgica e cúmplice.
A bagagem é pesada, já se sabe. Quatro décadas de história e clássicos não se acomodam em pouco mais de uma hora. Talvez por isso os eternos californianos tenham sapidamente escolhido o seu mais épico reportório para destaque, com os incontornáveis “Pretty Fly (For A White Guy)”, ‘The Kids Aren’t Alright” e muitos mais que fizeram crescer gerações. Com toda a lição bem estudada, a multidão ferveu tão veementemente, que quase não se estranhou quando Dexter Holland e Kevin “Noodles” Wasserman louvaram calorosamente os dotes vocais do “milhão de portugueses” que os assistiam. Na noite em que se celebrou avidamente o punk rock e a sua tenacidade perante o tempo, o número era certamente hiperbólico – o sentimento não.
Father John Misty
O grande regresso de Father John Misty a Portugal foi celebrado à grande e à “portuguesa” em frente ao palco Pull & Bear. Apesar do concerto se ter atrasado 1 hora, o artista norte-americano deu ao público os seus hits, fazendo com que a energia fosse crescendo, terminando numa explosão de carinho. O público português agradeceu e retribui com a mesma intensidade.
Joshua Tillman, embrulhou amor em forma de canções, terminando com “I love you, Honeybear” que entrou de rompante no coração de quem assistia.
Dia 14
Sam the kid
O nome, o legado e a presença não são indiferentes a ninguém – Sam The Kid traz bem junto ao peito mais de 20 anos de história do hip-hop português. E as raízes que tão fundo estabeleceu dão cor aos novos frutos de hoje, todos os dias. A tarde que abre no Meco reflete mesmo isso – o passado, o presente e o futuro, com os clássicos que tanto demarcaram o seu crescimento acompanhados agora pela Orquestra e Orelha Negra. Os convidados que alicerçaram com ele a história do hip-hop nacional desfilam entusiasticamente pelo palco, desde Napoleão Mira, seu pai, até ao companheiro de longa viagem, Mundo Segundo. Contou também com a presença de NBC, Regula e tantos outros que deleitaram o público na sua viagem pelo tempo, com hinos como ‘Retrospetiva De Um Amor Profundo’, ‘Poetas de Karaoke’ e ‘Solteiro’.
Benny Sings
Ao anoitecer, o simpático australiano, espalhou cor e magia pelo palco Pull & Bear. Benny Sings, partilhou canções dos seus três álbuns, destacando a “Sunny Afternoon”, “Rolled Up” em parceria com o seu amigo Mac Demarco e a “Nobody’s Fault” com Tom Misch. O concerto foi leve, e impossível de ficar parado. A banda celebra uma juventude talentosa, onde o trompetista teve um lugar especial nos solos brilhantes que eletrificaram o recinto!
Wu-Tang Clan
O segundo dos pores do sol desta edição foi exultado pelas gerações e gerações que compõem a nação hip-hop. Ao fim de 30 anos, findava-se a derradeira espera por um dos mais influentes e basilares grupos do hip-hop mundial – os Wu-Tang Clan subiam ao palco sem receios, síncronos e conectados com o seu fervoroso público.
Nem o oceano de distância da sua amada casa impediu Nova Iorque de chegar bem até ao Meco, que tinha todos os seus hinos bem na ponta da língua. A celebração viva do hip-hop contou com clássicos como ‘C.R.E.A.M.’ e ‘Wu-Tang Clan Ain’t Nuthing ta F’ Wit’, para uma plateia nascida entre os anos 70 e os anos 2000, como os próprios alegremente ressalvaram.
The 1975
Numa noite em que disputavam o lugar de maior destaque com os inigualáveis Wu-Tang Clan, os britânicos The 1975 ofereceram um espetáculo de natureza completamente diferente, no seu pop rock inelutável. O polémico Matt Healy manteve as rédeas com a sua habitual e infâme postura de rock star – sempre acompanhado pelo seu pequeno cantil ou até a completa garrafa de vinho, mais para o fim do espetáculo.
As jovens fãs que se apoderaram das primeiras filas deliravam com todos os movimentos do vocalista, cantando a plenos pulmões os já hinos da banda, tais como ‘Oh Caroline’ e It’s Not Living (If It’s not With You)’. A banda fechou as diligências com ‘Sex’, numa promessa iminente de regresso.
Charlotte de Witte
A segunda noite findou com a aparição da prodigiosa belga, Charlotte de Witte. A DJ e produtora musical injetou uma dose de vigor tão veemente que fez esquecer todos os presentes das horas que já se adiantavam. Com o seu conhecido techno, fez as delícias do Meco, que se despediu assim de mais um dia de boa-venturança musical.
Dia 15
Tomás Wallenstein
Ao entardecer, entra em palco Tomás Wallenstein na companhia do seu piano. O guitarrista e vocalista da banda indie rock portuguesa, Capitão Fausto, lançou baladas para um público, ainda que irrequieto, mas com a vontade de receber o que Tomás tinha para oferecer.
No seu repertório estavam canções do seu álbum mais recente, “Vida Antiga”(2023), que reúne versões das músicas das suas maiores inspirações e amigos desde Erasmo Carlos, Luis Severo, José Mário Branco até Tim Bernardes.
Kaytranada
O derradeiro crepúsculo confirmou que os 3 dias de Meco são, verdadeiramente, para sempre – e assim viverá também a lembrança de Kaytranada nesta edição. Quatro anos após a última visita ao Super Bock Super Rock, a sagaz amálgama de R&B, eletrónica e hip-hop do DJ haitiano-canadiano enlevou o mar de entusiastas que ternamente o aguardavam e que rapidamente se converteram em habilidosos cantantes e dançarinos. Absolutamente rendida aos seus encantos, a multidão vibrou em uníssono, balançando com coreografia inventada ali e agora, mas que todos osmoticamente conheceram.
O arrebatador set do DJ, que viajou pelos já clássicos “10%” com a sinfonia de Kali Uchis ou até à sedutora Syd em “You’re The One”, fundiu-se com a metamorfose de cores no horizonte a abrir a noite, como se de magia se tratasse. Ninguém ficou indiferente – especialmente Kaytranada, que prometeu regresso breve.
Steve Lacy
Para belo contraste, o quase fecho desta 27.ª edição de Super Bock Super Rock foi assegurado por uma estreia absoluta em terras lusitanas. O magnetismo de Steve Lacy proliferou através de uma gigantesca multidão, não fosse ele o merecido nome mais aguardado do último dia no Meco. Merecido, sim, pelos prodígios alcançados em tão reduzido tempo de vida; ainda antes da maioridade já arrebatava ouvintes como guitarrista da aclamada banda The Internet e o seu caminho de ascensão contou com a produção de clássicos como ‘Pride’ de Kendrick Lamar e ‘Folding Clothes’ de J. Cole, dois indubitáveis sinónimos de virtude e prestígio na indústria musical. O derradeiro dos sucessos, o álbum ‘Gemini Rights’ e a prodigiosa faixa ‘Bad Habit’ lançaram-no ainda mais para o olho público.
Nada demoveu o seu fervoroso público, nem mesmo o atraso e as pequenas falhas técnicas, sublimemente camuflados pela classe e mestria de Lacy. Prodigioso, exultou um público que cantou consigo o seu repertório, desde a sedutora ‘Ryd’, à primordial ‘C U Girl’ ou até a incontornável ‘Dark Red’. Teve ainda direito a um presente especial: a sinfonia de parabéns, em bom português, ao seu mais recente albúm, ‘Gemini Rights’ que completava na bela noite o seu primeiro ano de vida.
L’imperactrice
O último parágrafo desta aventura é escrita com a magia de L’imperactrice. A transbordar de charme parisiense, era impossível não ficar hipnotizados pelo talento deste grupo que partilha canções refrescantes. “Vanille Fraise”, “Agitations Tropicales”, “Sonate Pacifique” foram algumas das canções que por lá se dançaram.
“Adoramo-vos Portugal” grita a vocalista, Lore Benguigui, e os corações ficaram iguais aos dos que se encontravam em palco: iluminados por tanta alegria e certeza de que a magia fora recebida -e que bonita festa se viveu.
Até Sempre!
Maria Alves da Silva
Mariana M. Martins
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