O regresso ao habitat natural da música – Vodafone Paredes de Coura 2022
O céu tinha uma tonalidade cinzenta, com nuvens carregadas de gotículas que queriam dançar pelo habitat natural da música, o Vodafone Paredes de Coura. Este lugar, onde a calmaria é palavra de ordem e o verde envolvente ganha um tom especial. O primeiro dia do festival foi o tão aguardado reencontro ao lugar aonde já se foi ou ainda se iria ser muito feliz. Este ano, o festival ganhou um dia extra dedicado exclusivamente à boa música que se faz em português, com um menu musical composto por 20 artistas nacionais. A praia fluvial do Taboão recebeu de braços bem abertos os festivaleiros que seguiram o caminho sinuoso, mas extremamente bonito, até Paredes de Coura.
Como aperitivo, os Lemon Lovers deram as boas-vindas no palco principal. Apesar da chuva, iam chegando pouco a pouco os primeiros festivaleiros, equipados com ponchos-impermeáveis-guarda-chuvas de todas as cores e feitios.
Seguiu-se a atuação dos Club Makumba, recheada de sabores exóticos de uma África imaginária com um tribalismo à mistura. A banda surgiu de uma relação de amizade entre Tó Trips e João Doce, e apresentou pela primavera vez em Coura, canções do seu álbum que partilha o mesmo nome da banda, lançado este ano. A atuação foi uma festa de saxofone, guitarradas, contrabaixo e bateria, e um óptimo aquecimento para os festivaleiros que estavam a assitir.
Enquanto se ouviam os primeiros acordes do concerto de Noiserv no palco Vodafone fm, o palco principal compunha-se para o concerto dos Pluto. A banda de Manel Cruz, Peixe, Eduardo e Ruca instalaram o clima de heavy rock com canções do seu único álbum “Bom dia” (2004). Ficou assim aberta a época dos mosh pits, do crowdsurfing e do slide lamacento.
breve nota: para quem não viu/ experienciou esta última atração, é um divertimento natural no recinto do Paredes de Coura, mais precisamente, um caminho de lama instalado no topo da colina do lado esquerdo do anfiteatro, onde os mais desatentos deslizam e conseguem chegar mais rápido à frontline, com algumas mazelas lamacentas.
Após 30 min de concerto, veio a lufada de ar fresco chamada Benjamim. O músico e produtor lisboeta espalhou flores em forma de canções que aqueceram os corações dos festivaleiros. Começou por (en)cantar com as canções “Domingo” e “Ângulo Morto” do seu álbum “Vias de extinção” (2020), seguindo-se a bonita “Terra Firme” do álbum “1986”(2017) que teve o acompanhamento de coro, o público. Terminou com mais duas canções do mais recente álbum de 2020, “Incógnito” e “Vias de extinção”. A amostra de concerto soube a pouco, mas o suficiente para surgir um sorriso de “orelha a orelha”.
Com o final deste concerto é notória a romaria que se cria em direção ao palco secundário, Vodafone fm, onde Rapaz Ego iria enfeitiçar tudo e todos com as suas poções musicais do seu ábum “Vida Dupla” (2021). Dançou-se ao som de “Vida Dupla”, “Quero tanto”, e deu para acalmar com “Ponto Cruz”. No final, ficou bem claro com “Crime em Tânger” que Rapaz Ego salvou a vida de quem estava a assitir, com uma boa dose musical.
Foi feita a habitual “piscina” até ao palco principal onde os The Twist Connection iríam começar o seu concerto. Durante este percurso até ao palco principal, é impossível não notar o cheiro a terra molhada e no bom ambiente que este festival tem: um festival inclusivo para todos os amantes de música, e por falar em Amor, este é residente permanente neste lugar. Um festival onde se vêem tantas famílias a apreciarem em conjunto isto de fazer parte de algo maior que só pode ser sentido com todos os poros. Ouvem-se os primeiros acordes, as badaladas do início da festa. A banda de Coimbra é formada por Carlos “Kaló” Mendes, na bateria e voz, Samuel Silva na guitarra, Sérgio Cardoso no baixo. Presentearam o público com algumas canções do álbum “Is That Real”(2020), e receberam a energia de rock de volta, num concerto repleto de interação e, claro, mosh pits.
Na pausa para jantar, houve uma ida à ilha dos “comes & bebes” antes do concerto de Samuel Úria. Começou o concerto por dizer “Não está a chover e estamos em Paredes de Coura. De zero a um milhão, quão maravilhoso é isso?”. De facto, o concerto apanhou igualmente a pausa para jantar da chuva, um momento raro no primeiro dia de festival. O músico de Tondela partilhou com o público canções da sua discografia, onde a canção “É preciso que eu diminua” teve lugar de destaque, tendo sida dedicada a uma amiga sua que celebrava anos de vida nesse dia. Aplaudido com forte entusiasmo por parte do público, Samuel Úria gritava “façam lama”, “levantem esses guarda-chuvas” nos 30 minutos de concerto que cada artista tinha de cumprir. O agridoce de haverem tantas bandas num só dia, reside no facto de haver uma panóplia gigante de estilos e emoções a viver, mas, no entanto, sabem sempre a pouco. O concerto de Samuel Úria foi um deles.
A atuação que se seguiu no palco principal foi a dos Linda Martini. Ainda restavam uns raios de sol curiosos, quando a banda composta por Cláudia Guerreiro, André Henriques e Hélio Morais, subiram a palco vestidos de negro. Em contraste, as luzes no recinto acendiam-se de forma gradual, para dar início a um dos grandes concertos da noite. A banda lisboeta partilhou clássicos seus, mas, essencialmente, deu a conhecer ao público o seu mais recente álbum “Errôr”(2022). Com sons sigulares, como a conversa telefónica da “Super Fixe”, um retrato da socidade atual com “E não sobrou ninguém”, o coração bombeou ao ritmo de cada canção. Foi uma grande atuação, que contou com Rui Carvalho, mais conhecido como Filho da Mãe.
No final do concerto, a Engenharia Rádio, teve a oportunidade de entrevistar a banda para saber mais sobre o “Errôr”.
Podes ler a entrevista aqui.
Depois do estrondoso concerto dos Linda Martini, a romaria dividiu-se em duas partes: a que permaneceu no palco principal para guardar o melhor lugar possível para o concerto de Sam the kid, e a outra que voou para o cocktail musical de Bruno Pernadas. Este concerto foi um poema a todos os sentidos. Ainda que curto, deu para absorver melodias do álbum “Those who throw objects at the crocodiles will be asked to retrieve them”(2016), como “Problem n6” e “Spaceway 70”. Houve ainda um momento em que a máquina de bolinhas de sabão entusiasmou-se e adornou o palco com múltiplos sorrisos, e vontade de ficar lá para sempre. Assim que terminou este bonito momento, desceu-se à terra e apercebeu-se que o cabeça de cartaz iria começar. Correu-se para os espaços vazios do recinto que iria receber (esperávamos nós) Sam the Kid, Orelha Negra e Orquestra. No entanto, vieram mais convidados!
Era, seguramente, um dos concertos mais aguardados da noite, pelos mais diversos motivos:
- a última atuação de Sam the kid fora há 22 anos
- teria uma roupagem de orquestra, e com a banda de Sam the Kid, os Orelha Negra
- é o Sam the Kid, um dos maiores nomes do hip-hop português. periodt.
A atuação começou com a primeira surpresa da noite: a abertura do concerto pelo pai de Samuel Mira, Napoleão Mira a declamar “Santiago Maior” com a intensidade presente em cada sílaba. Para além do pai, também o avô de Sam the Kid foi um convidado especial, tendo sido homenageado com a canção “Sangue”. No palco, eram projetadas memórias de infância do músico, com a voz do avô a acompanhar, tornando-se num dos momentos mais introspetivos e bonitos do concerto. As gotas que se seguiram foram de nostalgia com canções que não só fazem parte da discografia do artista, mas também da história do hip-hop português como “Poetas de karaoke”, “Não percebes” e “Retrospectiva de um amor profundo”. Contou ainda com a participação de Mundo Segundo e NBC. A boa energia instalada no recinto sentia-se a léguas, e o professor terminou a aula da história do hip-hop com a canção “sendo assim”.
Vitória, vitória, que venha mais história!
Maria Alves da Silva
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