NOS Primavera Sound (dia 9) – Conto de Primavera, Capítulo I
O primeiro dia de NOS Primavera Sound 2022, prometeu (e conseguiu) atingir todas as expectativas do tão esperado regresso à melhor época do ano – os festivais de (quase) verão.
Poderia ser um filme de Éric Rohmer, mas, na realidade, conseguiu ser ainda melhor – uma bonita longa-metragem de ser vivida com todos os sentidos, acompanhada por uma inigualável banda sonora. Enquadrando o cenário, o onírico Parque da Cidade, 5 palcos, e um elenco recheado de artistas de nomes inconfundíveis, cujos backing vocals eram os festivaleiros com a sede de música ao vivo.
Fazendo um close-up ao início da tarde, no palco Super Bock, Spellling, a banda que veio substituir Georgia, enfeitiçou quem se ousava a repousar por lá. A artista norte-americana, Chrystal “Tia” Cabral, acompanhada por um quarteto de teclas, baixo, guitarra e bateria, criou uma poção mágica, (en)cantando os festivaleiros com canções do álbum Mazy Fly (2019) e o mais recente The turning wheel (2021). Entre canções, a cantora de “spelling com 3 L’s” – como referia múltiplas vezes, foi retribuindo a energia que sentia do público encantado, quase como uma troca de prendas feita entre artista-público.
Prendas trocadas, segue-se agora um zoom out para o Parque da Cidade e um zoom in para o palco vizinho, NOS, onde se denota o tão bom ambiente deste festival – um anfiteatro natural, onde a calma é imperatriz, com as condições reunidas para um agradável piquenique musical: a toalha de relva devidamente estendida e preparada, refresco na mão, e a alma aberta a receber o que aí vem. Com o sol quase a debruçar-se no mar, mas ainda a espreitar, seguiu-se o concerto da australiana Stella Donnelly.
A Stella Donnelly é a personificação de alegria, com um timbre doce e luminoso. Com gotas de humor, Stella acompanhada pela sua banda, tocaram canções optimistas como Die (risos), Old Man, Mosquito, integrantes do álbum Beware of the Dogs (2019). Ainda houve tempo de um momento digno de Just Dance, com movimentos acrobáticos à mistura aquando da sua mais recente canção Lungs lançada em 2022. Por fim, houve uma bolha de amor que envolveu os festivaleiros com Love is in the air, uma belíssima reinterpretação da canção do seu conterrâneo, Jonh Paul Young.
Após pausa para jantar, com as já não tão acarinhadas memórias de filas infinitas, seguiu-se um dos momentos mais aguardados da noite – o concerto dos lendários Nick Cave & The bad Seeds. O anfiteatro natural, iluminado pelo luar, recebeu a mítica banda de rock australiana que trinfou com canções que abraçaram cada um que estava a assistir como Into My Arms e Children. Êxito atrás de êxito, a banda fez com que o recinto estivesse a transbordar, não só de pessoas, mas também de múltiplas emoções dos festivaleiros.
Voando para um palco diferente, o palco Cupra, no cantinho do recinto resguardado pela bancada em L com o clássico “created in barcelona”, as feridas da alma foram saradas com o bálsamo chamado – Cigarrettes After Sex. A bonita abertura, desvendava a experiência que viria, mas só quando o ecrã se pintou do reflexo do luar no mar (ora não estivesse o Parque da Cidade de mãos dadas com o Atlântico), e se ouviram os primeiros acordes, é que a alma sentiu que iria ser embalada. O timbre de Greg Gonzalez é o chá com mel numa noite fria, contando-nos ao ouvido o sonho que dedilha nas cordas da guitarra. O repertório reunia maioritariamente canções do álbum que partilha o mesmo nome da banda, Cigarrettes After Sex (2017), como K. , Each Time You Fall in Love, Apocalypse, e outros sonhos encantados.
Ainda embrulhados neste fumo de cigarro digno de filme, partiu-se para um outro sonho, noutra dimensão. A tripulação avisada gentilmente pela hospedeira que preparava a viagem alucinante que se seguiria no palco NOS, a viagem de The Slow Rush, a cargo do comandante Kevin Parker da nave chamada Tame Impala. O jogo de luzes e cores pintou o espetáculo de tons psicadélicos do início ao fim, onde a energia instalda não pode ser explicada por palavras, só mesmo sentida. No itinerário constaram canções do The Slow Rush (2020), onde Borderline e Lost In Yesterday agitaram almas de forma singular. Houve tempo de recuar ao passado, 10 anos precisamente, ao álbum Lonerism (2012) com a Feels Like We Only Go Backwards. Não poderiam faltar neste épico itinerário as pérolas do Currents (2015) – Let it Happen, Eventually, The Less I Know The Better. O que hei-de escrever mais? A nave aterrou em Matosinhos e cada membro da tripulação saiu dela, sentindo-se “a brand new persoooooon”.
Numa maré de pessoas que ondulava até à saída do recinto, a espuma de emoções fervilhava, e no âmago de cada partícula de oceano, esperou-se que a memória do grande regresso à época dos festivais ficasse preservada para sempre. Jurou-se de mindinho que só se acrescentaria ao copo mais capítulos que estão por vir, e muito em breve, já amanhã, dia 10!
Maria Alves da Silva
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