12 álbuns que marcaram 2020
Em contagem decrescente para o fim de de mais um ano, a Engenharia Rádio dá-te a conhecer 12 álbuns que marcaram 2020. Fica com as melhores escolhas da nossa equipa.
Cuca Vida
2020 é o ano que vai ser sempre relembrado com um esgar de desilusão. Será difícil explicar às gerações vindouras como vivemos sem viver, como o maior ato de amor foi manter a distância, como fomos mestres em apenas deixar o tempo passar. Ainda assim, alguns de nós vão conseguir traduzir toda a confusão num único álbum. Iremos contar-lhes que, de entre todo o caos que o planeta experienciou, os músicos da editora Cuca Monga (Bisp0, Capitão Fausto, El Salvador, Ganso, Luís Severo, Modernos, Rapaz Ego, Reis da República, Zarco e ainda Diogo Rodrigues, como produtor), gravaram um álbum à distância.
Numa tentativa de passar a quarentena a fazer aquilo que gostam, responderam ao desafio proposto por Domingos Coimbra: um dos músicos gravava o que quisesse, e enviava à próxima pessoa. Esta fazia o mesmo, perpetuando a corrente. Desta “brincadeira”, surgiu o álbum Cuca Vida, lançado em Junho. Este, cantando a monotonia e aborrecimento do confinamento, imortalizando as modas e novos hábitos que foram desenvolvidos, a muitos transmitiu a energia e alegria necessárias para continuar a enfrentar a realidade. Cuca Vida é o retrato perfeito de um ano atípico e inimaginável. E sempre será prova de que, mesmo quando temos “proporções bíblicas absolutamente à porta”, há um amigo a quem ligar, uma gargalhada para partilhar, e uma canção a tocar.
Mariana Magalhães
Fontaines D.C – A Hero’s Death
Menos de 18 meses depois de terem surpreendido o público com o seu primeiro álbum Dogrel, os irlandeses Fontaines D.C. não desiludiram. O seu segundo álbum A Hero’s Death, lançado no mês de Julho, marcou definitivamente a posição da banda na paisagem atual do post-punk. Classificado pela Pitchfork em 8.1/10, o disco está repleto de riffs e bass lines eletrizantes, bem como de letras caracterizadas por uma sabedoria de quem parece já ter vivido uma vida.
Os novos temas proporcionam aos ouvintes 47 minutos de entretenimento introspetivo em que mais parece que a música passa diretamente do íntimo da banda para o nosso. Destacam-se os singles “A Hero’s Death”, “I Don’t Belong” e “Televised Mind”, mas o meu biased advice é que o melhor é mesmo ouvir cada segundo.
Apesar de não ter sido possível apresentar o álbum ao vivo durante o Verão, os Fontaines D.C. chegaram aos fãs de outra forma: disponibilizaram um livestream “A Night At Montrose”, gravado em Dublin. Nesse, tocaram todos os mais recentes temas, bem como alguns do primeiro LP. Ainda que virtual, a performance da banda transpirou uma intensidade que chega a obrigar a recordação dos inesquecíveis Joy Division e nos põe a sonhar com os concertos que o futuro guarda.
Mariana Magalhães
Yakuza – Aileron
Imagine o caro leitor que se encontra no país do sol nascente a conduzir um veículo de alta performance. Por entre vistas deslumbrantes, o rádio do seu automóvel toca um som cativante, novo e desafiante. Esse som com certeza faz parte do álbum AILERON. O nome não podia ser mais adequado ao mundo para onde somos transportados quando escutamos este álbum.
Como se conduzíssemos por uma estrada sinuosa, vamos percorrendo ritmos, quebras e transições, sendo seduzidos pelo bailar dos instrumentos. Afonso Serro (teclista), André Santos (baixista) e Alexandre Moniz (baterista) compõem o núcleo duro do grupo lisboeta e conduzem a dança entre os instrumentos. Neste seu primeiro trabalho fazem algumas contratações, onde cada uma adiciona o seu toque especial. Um jazz que promete trazer as novas tendências do estilo musical a nível global, para o panorama nacional. Com uma sólida fundação rítmica, os YAKUZA têm, a meu ver, imenso potencial para se afirmarem como uma das grandes promessas da música nacional e que sabe dar um saltinho lá fora.
Luís Machado
The Struts – Strange Days
O terceiro álbum da banda inglesa de glam rock, lançado em outubro, marca um ponto de viragem para o grupo. Composto e gravado em apenas dez dias, no pico da pandemia nos Estados Unidos, o álbum conta com 9 músicas originais e uma cover dos Kiss. Como se gravar um álbum em tão pouco tempo não fosse proeza suficiente, a banda conta ainda com uma série de colaborações inacreditáveis: Robbie Williams, Joe Ellliott e Phil Collen (Def Leppard), Tom Morello (Rage Against The Machine) e Albert Hammond Jr. (The Strokes).
Após os sucessos de “Everybody Wants” (2014) e “Young & Dangerous” (2018), os The Struts continuam a abrir caminho pela esfera do rock, com influências assumidas de Queen, The Darkness, The Rolling Stones, Aerosmith e Def Leppard, entre outros. No terceiro álbum, a banda não poupou solos de guitarra e arriscou num som mais atrevido e individual do que os dois álbuns anteriores. Os sons clássicos do rock que a banda tão bem recria continuam presentes, como na power ballad “Burn It Down”, assim como sons novos e sensuais, como se ouve na refrescante “Am I Talking To The Champagne (Or Talking To You)”.
O álbum retrata assuntos normalmente sérios de forma leve e quase irónica, mas é em músicas como “All Dressed Up (With Nowhere To Go)” e “Strange Days” que a banda faz um retrato claro da pandemia, que serviu de cenário à composição do álbum.
Sara Cruz
Khruangbin – Mordechai
Se tivesses um bilhete para viajar para qualquer lugar do mundo, qual seria? A banda Khruangbin oferece o transporte para esta viagem que o teu coração tanto deseja, ora não fosse “avião” a tradução da palavra tailandesa que compõe o nome do trio de Houston.
A bordo deste avião será servido um cocktail musical de baixo marcante, um leque de sons psicadélicos, surf-rock cool e uns toques de Tarantino que se juntam à mistura, fazendo com que cada melodia entre no coração e de lá não queira sair tão cedo.
A terceira ronda de cocktails tem nome de “Mordechai” e é a mistura musical lançada em Junho do presente ano, que surpreendeu todos os tripulantes por algo inédito neste avião: vozes. Desde a primeira ronda, que instrumental era o que residia nos primeiros cocktails da banda.
Cada gole de “Mordechai” sabe o mundo, e é uma experiência que massaja a alma durante 44 minutos. A companhia é garantida, só precisas de agarrar o teu bilhete. Boa viagem!
Maria Alves da Silva
Fleet Foxes – Shore
No dia 22 de Setembro de 2020, dia marcado pelo equinócio de Outono, deu à costa a luz necessária para iluminar os dias mais curtos que se seguem no calendário – o álbum dos Fleet Foxes, Shore.
O nome que compõe o álbum recorda uma experiência traumática que Pecknold (vocalista e guitarrista da banda) teve na Califórnia em 2017, quando ao surfar, ficou preso num agueiro. Esta experiência foi a injeção de inspiração para a criação deste álbum que transborda o que sentiu Pecknold quando chegou à costa: a pura felicidade e alívio de gritar “vida” com todos os seus poros.
A magia deste álbum da banda indie-folk norte americana é precisamente essa: em tom de segredo, conta-nos ao ouvido o bom que é celebrar a vida, e a importância de relembrar os gigantes da música como Arthur Russell, David Berman, Otis Redding, Jimi Hendrix, entre outros, uma vez que os grandes talentos só morrem quando nos esquecemos deles.
Se este álbum fosse encontrado pelo Pablo Neruda e Mario Jimenez, nas suas conversas sobre a vida ao longo da costa da Ilha Negra, diriam que este pode ser vestido de metáforas que representam algo maior que vai para lá do tempo e do espaço. Terão razão?
Maria Alves da Silva
Halsey – Manic
O terceiro álbum de Halsey chegou em janeiro de 2020 para nos presentear com um vislumbre mais pessoal à vida da artista.
Manic acaba por ser uma partilha de experiências muito variadas com os fãs, abordando temas desde a solidão e revolta até à melancolia e felicidade (mesmo que temporária).
Para conseguir expressar da melhor maneira esta mistura “extravagante” de sensações, Halsey navega por vários géneros facilmente distinguíveis, desde o pop-eletrónico ao hip-hop, rock, country e também R&B.
Para além dos singles “Without Me”, “You should be sad” e “Graveyard”, “Manic” apresenta faixas como “3am”, “Finally // beautiful stranger” e “clementine” que garantidamente estabelecem uma ligação com muitos ouvintes.
Desde o lançamento deste projeto no início do ano, Halsey já lançou uma versão “Deluxe” de Manic com mais temas e colaborações e também um livro de poesia “I Would Leave Me If I Could”, que deixam os fãs esperançosos para o futuro.
Matilde Barra
David Bruno – Raiashopping
Depois de “O Último Tango em Mafamude”, em 2018, e “Miramar Confidencial”, em 2019, David Bruno decide agora afastar-se da sua cidade, Vila Nova de Gaia, para nos presentear com estórias das suas origens, vistas pelo David de hoje, lá da vila raiana de Figueira de Castelo Rodrigo na região das Beiras.
É talvez o registo mais pessoal que vimos até hoje de David Bruno que, depois de explorar estórias locais do concelho de Gaia, decide agora explorar a sua própria, onde cada música nos transporta para as vivências e realidades de uma zona raiana da Beira Alta. Apesar do artista se refletir na sua origem, é impossível ouvir o álbum e não nos identificarmos com alguma dessas realidades, seja as conversas e cartadas no Café Central de cada terra e terrinha, nas as idas a Espanha em Praliné e Salamanca by Naite, aquela clássica Festa Da Espuma na discoteca mais próxima, o Flan Chino El Mandarim que ainda subsiste em casa de muitos nós, ou a habitual vinda dos nossos emigrantes nas épocas festivas. Esta sensação de identificação do ouvinte no álbum é o que faz dele tão especial, a busca desta portugalidade transversal a cada um de nós, aconchegada por momentos instrumentais e gravações já habituais de David Bruno, que nos dão tempo e calma para viajar nas nossas memórias. Chegamos ao fim com um sentimento: por mais shoppings e cidades que tenhamos dentro de nós, vamos ter sempre a nossa e única raia.
Pedro Oliveira
Moses Sumney – Grae
“Isolation comes from insula, which means island”, começa assim o segundo álbum de estúdio do artista afro-americano Moses Sumney. Grae é tão rico em conteúdo e musicalidade que se torna basicamente impossível explicar tudo numa única crítica. É complexo e inquietante, contudo reconfortante ao mesmo tempo. Especialmente num ano tão estranho e solitário como 2020, este álbum pode bem funcionar como a nossa companhia – o tema de solidão é explorado a fundo em músicas como “And so I come to isolation”, “Before you go”, entre outras. O processo de envelhecimento e a própria morte são também uns dos temas principais, com “Me in 20 Years e “Keeps Me Alive” a serem dois exemplos disso.
Trata-se de um disco bastante simples e pessoal, e, tal como no seu primeiro álbum Aromanticism, este combina vários géneros musicais, resultando numa mistura de soul, art rock, baroque pop e folk. Apesar da grande produção e instrumentalização, diria que a voz celestial de Moses continua o ponto central da música, transformando esta em algo completamente distinto por via do seu timbre bastante único.
Grae é uma obra de arte completamente fenomenal que exige múltiplas audições e, acima de tudo, uma leitura atenta das suas letras para poder ser totalmente compreendida. Por fim, poderemos ainda dizer que não há nenhum skip, nem mesmo os interlúdios – tudo faz parte da experiência.
Tiago Cardoso
The Strokes – New Abnormal
Há 19 anos, Is This It emergia de uma Nova Iorque que procurava reagir ao choque do 11 de Setembro. Os Strokes capturavam os excessos de uma cidade a tentar reencontrar-se. A nostalgia dos jovens por um passado que ainda não tiveram tempo de viver, mas que têm uma necessidade patológica de possuir. A urgência da experiência. Rapidamente recebem o rótulo de salvadores do rock e as crises existenciais instalam-se. As relações entre os membros azedam. E, após mais quatro álbuns, cada um com menos sucesso que o anterior, brindam-nos com um hiato de 7 anos.
Perdido na quarentena, surgiu-me The New Abnormal, enviado diretamente de uma Nova Iorque em crise. Como bom fã dos Strokes interrompi tudo e avancei para o álbum, aguardando a salvação, mas temendo sempre o pior. Nunca queremos que seja demasiado tarde para a nossa banda preferida. Depois de meses a ouvir leaks em que Julian Casablancas insistia (como sempre) em balbuciar a letra das canções, não sabia o que esperar. A primeira faixa, “The Adults Are Talking”, dissipa todas as dúvidas. Os Strokes cresceram. Perceberam que têm 40 anos e que o rock não precisa de ser salvo. Mas eles precisavam de se salvar dessa responsabilidade. “Ode to the Mets” fecha o álbum com a certeza de que os Strokes já não cantam para nos conquistar. Cantam por eles. E isso basta-me.
Francisco Caetano
B Fachada: Rapazes e Raposas
Sem aviso prévio, Rapazes e Raposas encerra, finalmente, o interregno de anos a que B Fachada nos submeteu. Sem vínculo editorial, gravado em Mértola, no Alentejo, em pleno confinamento, o disco transforma-se num verdadeiro regabofe para os seus ouvintes.
Munido da já costumeira viola braguesa, não dispensa as satíricas crónicas sociais, as permanentemente borbulhantes reflexões e, inerentemente, a crítica política, frutos da visão astuta do país, do mundo e da própria humanidade – ouçam-se, aliás, os “Prognósticos”. Faixas como “Mudar de Método” confirmam a excecionalidade, ousadia e singularidade de B Fachada que declara: “Eu não sou daqui / venho a passar”.
Nesta viagem, em que avultam ainda o baixo, o modular ADDAC e os teclados, B Fachada impele-nos concluir que o tempo de espera valeu a pena – retornou com um álbum maduro e completo, novamente a deixar-nos água na boca.
Mariana M. Martins
Da Rochinha 4
O DJ americano Sango brinda-nos, este ano, com mais uma iteração da sua série de álbuns Da Rocinha. A 4ªa versão não foge à marca musical do artista, mas mostra como este vai aperfeiçoando a capacidade de misturar sons e de alargar o seu conhecimento musical baseado na cultura afro-latina.
O álbum inclui várias faixas baseadas nos instrumentais do funk brasileiro, colmatando com os ritmos provenientes da herança africana na música brasileira, e aproveitando as vozes que articulam na perfeição a língua portuguesa “adocicada” pelo sotaque brasileiro. Sango mostra verdadeiramente como vários géneros de música se complementam e partilham a mesma origem, aproveitando para criar sons nunca antes escutados e nunca antes pensados como complementares.
Apoiado por artistas como Luccas Carlos, Jé Santiago ou Mano R7, o músico americano promete continuar a crescer no género instrumental e a estender a sua música a um plano internacional.
Numa fase em que a música brasileira tem atingido patamares mundialmente famosos, Sango faz questão de lembrar, através do seu som, a história do ritmo que atravessou o Atlântico nos séculos anteriores, provenientes de uma herança africana muito presente na sua obra, e que ajuda a individualizar a sua arte.
Por muito que queira destacar todas as faixas deste álbum, as principais a ouvir são, na minha opinião, Quanto Tempo, Camisa do Senegal Freestyle, Dia e Noite, Cangaíba to 7 Mile e Maranhão. Esta última é completada já pela participação regular de Carlos do Complexo nas versões anteriores de Da Rocinha.
Quem conhece Sango, é mais do mesmo. Não que isso seja mau, mas significa que o artista não tem de inovar muito para se manter no topo do seu ritmo. E para quem não conhece, é um ótimo álbum para se introduzir nos fantásticos sons que o americano tem produzido nestes anos. Um verdadeiro “must” para todos os amantes do funk brasileiro e do afrobeat.
João Albuquerque
E o teu álbum de 2020 qual foi?
Engenharia Rádio
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