Opinião: Análise Estatística do Regresso da Liga
A 8 de Março dava-se por encerrada a 24ª jornada da Liga Portuguesa, com uma derrota caseira do Paços de Ferreira frente ao Vitória SC. Não se imaginava que a pausa que se avizinhava só teria fim quase três meses depois, a 3 de junho, com o regresso do principal escalão do futebol português, desta vez, sem a presença do público.
Muito se especulou acerca das consequências deste regresso. Em primeiro lugar, a nível do risco para a saúde dos jogadores, técnicos e restantes elementos necessários ao bom funcionamento de equipas desta envergadura. Apesar das muitas dúvidas levantadas, o plano delineado pela Liga e pela Direção-Geral da Saúde parece ter corrido de feição, registando-se apenas alguns casos isolados pelas equipas que participam na primeira divisão portuguesa.
Em segundo lugar, a nível desportivo. Quais seriam as consequências do regresso do futebol sem público? Seria o ritmo competitivo compatível com as lutas acesas que se previam, tanto pelos lugares cimeiros como na luta pela manutenção, após uma pausa de quase três meses? O primeiro golo deste regresso, um brilhante pontapé de Lucas Fernandes que mereceu figurar na capa do L’Équipe, é um argumento forte contra a ausência dos adeptos, principalmente os do Portimonense, que se viram privados de festejar um dos golos da época. Mas motivos mais fortes reclamam certos sacrifícios.
Pela análise aos primeiros jogos da Bundesliga, esperava-se uma semelhança óbvia – a atenuação do efeito casa. Os números são claros. Na época 2018/2019, que veria o SL Benfica sagrar-se campeão após uma recuperação surpreendente com a entrada de Bruno Lage para o comando técnico, em 47% dos jogos a equipa anfitriã venceu a totalidade dos pontos em disputa. Registaram-se, ainda, 33% de vitórias por parte da equipa forasteira e 20% dos encontros terminaram empatados.
Os números atuais da Liga Portuguesa são ligeiramente diferentes da época passada. As vitórias caseiras correspondem apenas a 40% de todos os resultados, apesar de esta diferença não se ter materializado em vitórias das equipas visitantes, que correspondem agora a 34% dos encontros. O maior aumento foi nos encontros que terminaram empatados, cerca de 26% dos 270 jogos realizados à data da elaboração deste artigo.
As primeiras duas jornadas realizadas após o reatamento da Primeira Liga pareciam manifestar precisamente esta tendência. Nas jornadas 25 e 26, registaram-se, em cada uma delas, três vitórias caseiras, três vitórias dos visitantes e três empates. No entanto, com a progressão da competição, as vitórias da equipa anfitriã começaram a assumir-se novamente como a tendência dominante. Registaram-se algumas anomalias curiosas nas jornadas 27 e 28, sendo que se na primeira quase não se verificaram vitórias fora, na segunda partilharam o estatuto de resultado dominante com as vitórias em casa.
A média destas cinco jornada não deixa de ser curiosa. É um reflexo quase perfeito daquilo que era a competição antes da paragem: 42,22% de vitórias em casa, 31,11% de vitórias fora e 26,67% de empates. As conclusões são óbvias. O efeito casa, que em termos analíticos ainda parece ser uma clara realidade, é algo mais do que ter apenas os adeptos no estádio. Manifesta-se, também, nas viagens longas e desgastantes. Com o facto de os jogadores jogarem num terreno conhecido. Se inicialmente se verificou uma atenuação da sua importância, seria errado afirmar que o seu peso não regressou à equação que gere, a par do talento individual e do esforço coletivo, a tabela pontual da Liga.
Relativamente à atratividade dos jogos, esta é demasiadas vezes medida pelo número de golos marcados. A época passada foram cerca de 2,7 golos por jogo. Esta temporada, esse número viu-se reduzido a 2,46 golos por encontro. Números facilmente justificáveis pela produção ofensiva do SL Benfica na época passada ter sido prolífica (102 golos marcados, salientando-se uma goleada por 10-0), estando esta temporada bastante reduzida (62 golos marcados em 30 jornadas). O Sporting CP terminou a temporada anterior com 72 golos marcados, registando apenas 47 este ano, ao fim de 30 partidas. O FC Porto não apresenta grandes flutuações neste capítulo, bem como os restantes clubes, exceção feita aos dois históricos minhotos, o SC Braga e o Vitória SC, que estão a registar épocas de maior caudal ofensivo.
Para além da jornada 28, todas as restantes jornadas parecem demonstrar que os jogadores regressaram com a pontaria menos afinada. Os números dessa jornada explicam-se constatando que apenas um dos nove jogos registou menos de trêS golos, ou seja, um número de golos inferior à média da presente temporada – o empate entre o Moreirense e o Famalicão, com um golo para cada uma das equipas. Entende-se assim esta anomalia que, pela análise do gráfico apresentado, destoa largamente do resto do panorama.
Se podemos ousar afirmar que a ausência dos adeptos não representou uma perda de vantagem para a equipa que joga em casa, o que dizer dos efeitos da sua ausência nas decisões dos árbitros? Uma das manifestações claras das suas repercussões, foi o aumento no número de grandes penalidades assinaladas, principalmente as marcadas a favor da equipa visitante, 12 das 22 assinaladas entre as jornadas 25 e 29. Sem a pressão de, por vezes, cinquenta ou sessenta mil adeptos, cujos assobios ensurdecedores seriam capazes de toldar os sentidos a qualquer um, tomar estas decisões tornou-se um processo menos intenso. Não se pense que, apesar disso, mais acertado ou isento de polémica.
Como consequência tanto das mudanças na atitude das equipas de arbitragens, bem como do baixo ritmo competitivo, os efeitos a nível disciplinar fizeram-se notar. Em primeiro lugar, o monumental aumento de duplos amarelos por jogo que se verificou na jornada 25. Um efeito que viria a ser atenuado com a introdução das 5 substituições, que permitiu uma melhor gestão dos jogadores a nível disciplinar. Sabemos que correlação não implica, necessariamente, causalidade. No entanto, neste caso, parece uma relação que deve ser estabelecida. Obviamente que vários efeitos contribuíram para que tal se verificasse, como as decisões menos influenciáveis dos juízes, bem como a falta de minutos de jogo dos jogadores, mas não deixa de ser inegável o efeito da implementação desta regra.
Quanto ao número de cartões amarelos, a Liga Portuguesa regista um número considerável de cartões por jogo. Esta temporada são 4,73 os cartões amarelos mostrados por partida (exceção feita aos segundos amarelos e respetivo cartão vermelho, contabilizados acima). Entre as jornadas 25 e 29, pode-se falar de um ligeiro aumento no número de cartões amarelos mostrados, mas nunca comparável ao aumento verificado nos segundos amarelos. Este número seguiu uma clara tendência de queda com o avanço da competição.
No que diz respeito à expulsão de jogadores por cartão vermelho direto, os números foram claramente superiores à média. Apesar disso, um grande aumento nesta tendência pode encontrar-se precisamente na jornada 29. Este aumento nas expulsões encontra justificação na partida que opôs o Vitória SC e o Vitória FC. Numa partida que os vimaranenses venceram por dois golos sem resposta, três jogadores dos sadinos – Leandrinho, Guedes e Sílvio – viram a cartolina vermelha após terem perdido a cabeça, os dois últimos já no período de descontos.
Podemos concluir que as grandes diferenças, pelo menos a nível estatístico global, se prendem essencialmente com as questões disciplinares. O número de expulsões aumentou consideravelmente, quer por terem sido mostrados dois amarelos, quer por ter sido mostrado o vermelho direto. Há mais penaltis e há ligeiramente menos golos. O desfecho final continua a ser (mais uma vez, insisto no termo) estatisticamente semelhante, o que não significa, como podemos verificar se consultarmos a tabela classificativa, que sejam as mesmas equipas que continuam a vencer os jogos.
O regresso da Liga não foi ideal. Teve os seus defeitos e não resolveu todos os problemas competitivos que acarreta nos últimos tempos. Mas, dentro das condições impostas, parece ter sobrevivido a algumas das vozes mais céticas, entre elas a minha. Sobreviveu a um ataque a um autocarro, logo na jornada 25, que revela o pior do que há no futebol português. Pedia-se muito deste regresso. Tivemos mais do que merecemos, enquanto adeptos. Esperemos que, durante as jornadas que restam, apesar de, em boa parte por nossa culpa, imperfeita, se mantenha funcional.
Francisco Caetano
You must be logged in to post a comment.