Milhões de Festa 2018 – o expoente do ecletismo
A 11ª edição do festival Milhões de Festa decorreu entre os passados dias 6 a 9 de setembro, em Barcelos, distrito de Braga. Com o mote “A tradição já não é o que era”, a cidade contou com 4 dias repletos de concertos, música e muita animação, proporcionada por uma colaboração entre o Município de Barcelos e a Lovers & Lollypops.
Este mostrou ser um festival diferente de todos os restantes que ocorrem durante o verão, dada a diversidade de espaços, concertos e atividades que marcaram os 4 dias. Os festivaleiros podiam acordar e, por volta das 12h, rumar ao palco Taina para a primeira atuação do dia. Daí, nas piscinas municipais de Barcelos, a música no palco Piscina começava logo ao início da tarde, pelo que se podia também aproveitar os banhos de sol e concertos que duravam quase até o sol se pôr. Pelo final da tarde, o foco voltava a ser o palco Taina, onde se podia comer uma característica bifana, sande de rojão ou até um caldo verde, acompanhada de sangria ou vinho branco. Durante a noite, os espetáculos intercalavam entre o palco Milhões, o principal deste evento, e o palco Lovers, que dava vida ao festival até de madrugada.
Dia 1
O público pôde contar com um dia de entrada livre, 6 de setembro, onde estiveram ativos dois dos palcos existentes, o palco Taina e o palco Milhões. O privilégio de abrir o palco principal foi para os Indignu, não podendo ser mais adequado visto se tratar de uma banda de post rock oriunda de Barcelos. De seguida, perto das 22h, chegou o duo feminino 700 Bliss, um projeto colaborativo nascido nas festas e noites underground de Filadélfia, que conseguiu fazer um autêntico after-hours numa hora em que ainda era demasiado cedo para tal. Mais tarde, ainda no Palco Milhões, The Mauskovic Dance Band conseguiram atrair mais público ao recinto e pôr a dançar o público que se encontrava presente. Trata-se de uma criação de Nicola Mauskovic, produtor musical proveniente de Amesterdão, que através da combinação de cumbia e ritmos africanos passaram por vários palcos de festivais e clubes noturnos europeus a partir de 2016. A fechar a primeira noite estiveram Aeróbica, aqueles que em 2010 tiveram as honras de fechar o cartaz.
Dia 2
O segundo dia trouxe, por volta das 16h, The Evil Usses ao Palco Cidade. Este palco partiu de uma iniciativa que fez com que houvesse um concerto por dia, durante os 4 dias de festival, num local diferente da cidade de Barcelos. O concerto deste dia ocorreu na Torre Medieval, atraindo algum público do Milhões de Festa, mas também famílias e turistas que passavam por aquele local. Formada no verão de 2013, a banda constituída por 4 elementos e proveniente de Bristol cativou os presentes com temas como “Gambino” e “Pre Op Pop”, estando neste momento no final de uma tour pela Península Ibérica.
Pelo Palco Piscina estiveram Mirrored Lips, trio russo do noise-rock, e Grabba Grabba Tape, madrilenos do punk underground, a desmistificar e confirmar o ecletismo que ao longo dos anos o festival se orgulha de apresentar. Ao final da tarde, Sereias explodia com o Palco Taina, entre poesia declamada e momentos bizarros, num auto-intitulado jazz-punk-pós-aquático que revelou um lado negro sincronizado com o pôr do sol.
A grande expectativa do dia 7 de setembro era Circle, o grupo prolífico filandês que possui no seu repertório mais de 50 álbuns. Formados em 1992, já passaram por esta banda mais de uma dezena de membros. Dedicam-se essencialmente ao rock experimental, tendo também já sido associados a estilos como heavy metal e rock progressivo. Com uma excelente presença em palco e uma fusão de géneros musicais únicos, talvez fruto da rotatividade de membros, o coletivo trouxe o seu álbum excêntrico mais recente “Terminal”. A fechar o Palco Milhões esteve o cabeça de cartaz Squarepusher, em estreia absoluta do britânico em solo nacional, nome incontornável da eletrónica e do expoente do seu experimentalismo, absorvendo o público para o seu ambiente digital num verdadeiro espetáculo audiovisual.
Dia 3
No palco Milhões, WWWater, banda vocalizada pela belga Charlotte Adigéry, estreou-se em Portugal com um momento muito agradável. Entre o R&B e soul, num tom bem mais dançável do que os concertos anteriores, gerou-se uma química surpreendente com um público que em parte ansiava por uma noite de rock. Nubya Garcia, compositora e saxofonista baseada em Londres e apontada como um dos nomes emergentes do panorama jazz mundial, trouxe um mix de soul, pop e pequenos e refrescantes toques africanos. Com passagens pelo seu aclamado EP “Nubya’s 5ive”, muito bem recebido, foi também tempo para apresentar “When We Are”, o seu projeto mais recente.
A enchente deste dia deveu-se aos Electric Wizard. Num público que, em grande número, se encontrava presente apenas para os receber, tal era a diferença de movimento no campismo e as t-shirts com o nome da banda, foi num misto de opiniões que terminou o concerto da “banda mais pesada do mundo”. Entre o característico doom/stoner pioneiro e projeções psicadélicas, houve quem não tivesse ficado totalmente satisfeito com os britânicos. Ainda assim, o espetáculo que trouxeram foi destrutivo e único, com riffs esmagadores, clássicas colunas gigantes e referências satânicas. Uma banda inigualável no seu espetro musical.
Dia 4
Ao final da tarde, no Palco Taina, chegou Marilyn Misandry, com uma performance artística inesperada. Marilyn é proveniente de Manchester, tratando-se de uma drag queen cujo trabalho explora principalmente as dificuldades pelas quais passam as mulheres cujos tipos físicos não se encontram nos parâmetros apreciados pela sociedade. Integrou também o grupo que se seguiu, Queen Bee Supergroup, uma reunião entre um grupo de artistas para uma colaboração única. Entre eles encontram-se Natalie Sharp, Deyar Yasin e Emma Thompson, do qual culminou um espetáculo que demonstrou o lado mais excêntrico do festival. Entre gritos e uma mistura de instrumentos musicais, houve também espaço para dança e muitos brilhantes a serem espalhados pelo público. O grupo envolveu todos os presentes que se encontravam no local, sem deixar ninguém indiferente.
O início da última noite do Milhões de Festa ficou marcado pela presença de The Heliocentrics. Trata-se de uma banda londrina cuja discografia conjuga estilos musicais como o jazz e o funk, que vieram ao festival acompanhados pela vocalista eslovaca Barbora Patkova, com quem gravaram um dos álbuns mais recentes, lançado em 2017, “A World of Masks“. Foi um dos concertos mais marcantes desta edição, tendo o público correspondido com um pedido de encore, que é raro nos festivais atuais. A fechar o palco Milhões estiveram Os Tubarões, conjunto cabo-verdiano que esteve no ativo entre 1976 e 1994 e ligados ao periodo de transição para a independência do seu país, tendo renascido em 2015, ano em que atuaram em Lisboa. No ano em que anunciaram o lançamento de novo disco, regressaram a Portugal para um concerto quase de homenagem, trazendo na bagagem as sonoridades características do seu país, maioritariamente associadas ao clássico funaná.
Terminou, assim, a 11ª edição do Milhões de Festa que, apesar de ter apostado numa grande mudança face às edições anteriores, trouxe na mesma o público já habitual e também novos visitantes, num ambiente único no panorama dos festivais nacionais e numa excelente comunhão entre a organização e a cidade de Barcelos.
Rita Moura, Carlos Silva
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