Festival Reverence Valada 2014 – Madeira em Stock #1

Apareceu quase sem avisar, juntou na mesma mão um bom par de trunfos musicais,  mobilizando assim milhares de pessoas à pequena aldeia de Valada, no Cartaxo. As promessas de boa música foram cumpridas, e apesar de alguns problemas logísticos compreensíveis, a boa gente do Reverence soube montar um festival único. Senhoras e senhores, fez-se história em Portugal.

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Em 14 anos de festivais de rock que nunca encontrei nada assim. Nick Alport e o seu gang conseguiu provar a tudo e todos que ainda há espaço para mais festivais em Portugal, desde que carreguem o peso da diferença. Portanto, talvez seja melhor começar por aí. À boleia da actual explosão de popularidade de sub-géneros do rock como o stoner, o rock psicadélico ou o drone, finalmente houve espaço e oportunidade para erguer um festival inteiramente dedicado à distorção.

E o festival começou um dia antes da abertura de portas, com o palco Marina montado bem perto do recinto, com o rio Tejo como pano de fundo. Dada a hora de chegada tardia, deparei-me logo com o primeiro problema do espaço reservado ao campismo: a falta de iluminação prometia grandes confusões na altura de encontrar a tenda, e mesmo para montar a mesma foi moroso. Mas vamos ao que realmente interessa. Do que assisti, apenas destaco Mars Red Sky, que com o seu stoner rock bem trippy abriram a porta e os ouvidos das algumas centenas de pessoas que fizeram questão de chegar mais cedo ao recinto. Contudo, o prémio de “regalo” da noite vai para o fabuloso spot à beira rio plantado, onde por entre Super Bock e favaíos se ia também preparando o corpo para os dias seguintes.

Como explicado pelo Nick à Engenharia Rádio, o formato adoptado neste festival segue a linha dos festivais britânicos. Ou, trocando por míudos, musica a começar ao meio dia e a finar pelas 6 da matina. Por isso, às 12h20 da tarde já este modesto amador de jornalista se encontrava no Parque de Merendas de Valada, temporariamente transformado em catedral do rock, a deleitar-se no post-punk com cheiro a garage dos Cave Story, perante poucas pessoas sentadas. Após uma voltinha pelo recinto, voltei ao palco Rio para ver do que os Jabber Wocky Band eram feitos. E, bom, eram feitos de um stoner competente, sem grandes invenções. Altura de forrar o estomâgo, e mais uma bela surpresa: além dos concertos, também a zona destinada à alimentação pôde gozar da sua própria música, ao cargo dos diversos djs contratados para essa missão. Por esta altura, ouviam-se sons dos anos 50 e 60, bem adequados ao sol que se fazia sentir durante o inicio de tarde.

Há nomes que sobressaem num cartaz dada a sua popularidade. Outros sobressaem pela própria designação. Ora, claro que tinha que dar uma espreitadela aos Putas Bêbadas, alegadamente originários do mal-afamado bairro do Intendente, em Lisboa. O punk em esteróides (que, juro a pé juntos, parecia Sex Pistols no triplo da velocidade), por entre gritos e grunhidos, não me cativaram tanto quanto o seu arrojado nome.

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Um simpático casal de estrangeiros chamou-me a atenção, logo tive que perder uns minutinhos do meu dia a perceber como e porque é que decidiram vir até ao Cartaxo. (clique aqui para ouvir a Entrevista a Marian e Thom)

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Às 14h10 foi horinha de revisitar caras familiares: os Killimanjaro faziam valer o seu rock do  punho, surpreendo apenas aqueles que não os conheciam. E como cresceu este trio de Barcelos, sem nunca comprometer os seus principios sonoros. Desde o heavy ao garage, do rock clássico às escarpas do alternativo, as suas diferentes influências convivem entre si, sem nunca incomodar as suas moléculas. Um excelente concerto, já concentrando bastante gente para uma hora tão precoce, merecedor de um encore espontâneo e claramente arrancado por José Gomes e a sua trupe: tinha ser que boa gente do nuerte, pois claro!

Perto das 15h00, o francês François Sky  residente em Berlim apresentava o projecto François Sky & Guests, que num registo muito perto da improvisação pura trouxe sons mais alternativos e bem menos agrestes que os ate então testemunhados. Foi uma boa surpresa, resultando numa bela coladela ao reboque do seu post-punk assente em guitarras e numa caixa de ritmos, e, claro, com os convidados de várias partes da europa a cumprir bem o seu papel. Ao longo do seu gig de rock bem zen e atmosférico, pôde sentir-se uma brisa do bom que se fez no rock alternativo dos oitentas e noventas, com particular destaque para um je ne sais quoi de batida à lá Depeche Mode servido à moda de Pink Floyd já próximo o final da actuação. A despedida fez-se com uma visita ao soul e baggy, num concerto que deixou uma impressão de “até já”.

Novamente a agitar a bandeira portuguesa estiveram, no palco Sabotage, os Born a Lion, uma das boas certezas do panorama hard rock nacional. Não deixado todo o seu aparato e atitude rock n’ roll orfão de musica, os rapazes oriundos de Leiria despejaram todo o seu suor numa actuação interessante, mas com menos pessoas e entusiasmo do que o concentrado pelos barcelenses instantes antes.

Para descansar de todo o terrorismo sónico sofrido pelos meus ouvidos, encarei o concerto dos já veteranos The Asteroid 4 com bem mais calma e serenidade. E, para ser franco, o tom foi bastante adequado para a hora bem solarenga, onde as pernas já pediam alguma clemência. A folk rock psicadélica dos cinco visitantes do norte da California encaixou que nem uma luva ao público relaxado, que sentado ia bebendo o seu fino (apenas por 1€ já se podia beber uma…Sagres), trocando olhares cúmplices e agitando o pescoço com calma. Por esta altura já era possível perceber que estavamos, provavelmente, perante o melhor festival português de 2014. Em claras aproximação a bandas tão distintas como Spacemen 3 ou Echo and The Bunnymen, numa assombrosa demonstração de qualidade, a banda liderada por Ryan van Kriedt presenteou o público não só com canções mas também com muita simpatia e dialogo, onde em jeito de brincadeira confessaram que California é o Portugal dos Estados Unidos. Houve ainda tempo para uma versão de “I want to touch you” dos Catherine Wheel e para um encore (que, diga-se, foram uma raridade no festival).

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Hora para saltar de palco e assistir aos Bombus, numa explosão de heavy metal mais perto das suas vertentes de raiz. Envergando t-shirts de Malmsteen ou The Partisans, e sempre em poses bem espalhafatosas (sempre de corninhos em riste), os suecos deram um óptimo show, apesar do tipo de som estar longe de cair no goto do vosso humilde repórter. A atitude e, acima de tudo, a competência em palco do quarteto escandinavo foi fazendo as delícias de muita juba em constante headbang, e merecido. A contrastar com um certo pingar de azeite dos riffs, ficou na memória uma voz bem do fundo das entranhas a romper pelo palco Sabotage abaixo.

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A bater as 17h15, hora de fazer o caminho inverso e regressar ao grandioso palco Rio, para assistir a Sleepy Sun, trazendo de novo à baila a carga psicadélica que compôs grande parte do cenário do Valada. A banda de São Francisco cola as suas composições com uma pasta bem familiar e sumarenta, por vezes quase a roçar a pop rock, bem liderados na voz por Bret Constantino. Sem problemas nenhumas em viajar aos meandros quase brit-pop, dando sempre uma óptima sensação de liberdade e florzinhas, os Sleepy Sun, que além dos seus 4 albuns de originais incluem no seu currículo primeiras partes de bandas como Arctic Monkeys ou os também “reverentes” The Black Angels. E foram, sem dúvida, uma excelente surpresa, acalorando com classe o coração dos presentes.

Mas no palco Sabotage, um pouco antes das 18h00, subiam ao palco os Cave, algo antecipados por boa parte do público, de acordo com o burburinho que se ia ouvindo ao longo do dia em conversas soltas pelo recinto. E, de facto, os Cave traziam outras sensações ao festival: numa cadência vertiginosa e até algo angustiante, assente numa base forte de electro-pop e drone a relembrar as grandes bandas alternativas do género que nasceram nos anos 80, aqui o psicadelismo vestia roupas bem diferentes. Actuação bem conseguida dos bem soturnos Cave, apesar do radioso sol queimar as pestanas de uma forma quase irónica.

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Contudo, no palco Rio, os Ringo Deathstar já se preparavam para atirar todo o seu manancial sonoro, que apesar da sua curta carreira já dão muito que falar no mundo do rock alternativo. Era bem notória a curiosidade do público em torno do trio Texano, que têm vivido ultimamente em estado de graça. E, para dizer a verdade, as expectativas não foram nada defraudadas: assente em múltiplas influências de luxo, desde Velvet Underground a extremos mais noisy e shoegaze como Sonic Youth ou Jesus & Mary Chain (a presença invisível desta banda no festival denota bem como anda o rock alternativo nos dias que correm), é fácil perceber o sucesso já atingido pelos autores de “In Love” ou “So High”. De facto, aqui e ali ouvem-se pedacinhos de muitas outras bandas passadas, o que pode ser uma faca de dois gumes: se por um lado a sua atuação foi técnicamente interessante e maioria das suas canções de facto resultam, por outro é mesmo dificil descolar a cabeça de um desfilar de bandas diferentes e bem conhecidas do cânone do rock alternativo, originando também uma certa confusão e dísparidade durante a sua escuta. A sua bipolaridade e riqueza musical é, também, o seu ponto mais fraco. Nota muito positiva para a baixista Alex Gehring, que juntou à sua voz bem doce um raro domínio do instrumento, provando que não está ali só para fazer cenário.

Assim deu por terminado o festim ao longo da tarde deste primeiro dia. Em breve segue a segunda parte, com todas as impressões do palco Reverence, assim como um ou outro concerto já na madrugada!

 

Reportagem: Tiago Magalhães

 

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