Reportagem – Ricardo Ribeiro | Casa da Música | 16.02.2014
Entrou nervoso. Percebeu-se na forma como se dirigiu ao microfone central, e pelo seu sorriso algo tímido, a importância que esta noite teria. Seria uma noite de consagração, onde Ricardo Ribeiro se afirmaria como uma das vozes centrais do fado masculino. Abriu o concerto com ‘Destino Marcado’, do seu ‘Largo da Memória’. Rapidamente, e de uma forma muito genuína, Ricardo instalou-se no seu meio natural, no seu fado sentido. Na segunda música da noite, ‘Corrido à Antiga Portuguesa’, Ricardo diz “se bem o canto não o sei, vamos lá ver se consigo…vamos ver se sou capaz, dar-lhe alma e corpo de fado”. Por esta altura, já a audiência, que por muito pouco não esgotou a Sala Suggia da Casa da Música, estava rendida – Ricardo conseguia mesmo dar-lhe alma e corpo de fado.
Confessou entretanto que estava nervoso. Mas, disso, já ninguém se lembrava. Com uma emoção imensa, foi-nos presenteando com o seu repertório, que incidiu mais no seu último álbum, se bem que com algumas incursões pelo seu “Porta do Coração”. O seu fado não é um fado tradicional. Muito se tem inovado, nos últimos anos, muitos instrumentos foram introduzidos, mas Ricardo Ribeiro consegue inovar, mas ao mesmo tempo manter um som tradicional, no seu fado. Nos intervalos entre músicas, fala-nos da sua vida, das suas influências, começando com Fernando Maurício. Explica-nos que o seu “Largo da Memória” é sobre a sua vida, sobre o tempo passado em S. Pedro de Alcântara; confessa-nos que só pode caminhar na memória se a souber.
Pedro Caldeira Cabral entra, depois de ouvirmos “A Porta do Coração”. Segue-se uma Cantiga de Seguir, num improviso primoroso. Exalta-se a memória de Umm Kulthum, a lenda Egípcia, e que Ricardo diz admirar tanto como a nossa Amália. O Quarteto Tempos junta-se a ambos no palco, ouvindo-se a “Quando Nasceste”, dedicada à sua filha, com Ricardo a acompanhar na guitarra e a confessar, entre risos, que falhou uma escala no final da canção. Seguiu-se o lindíssimo “Recorda-te de Mim”, imortalizado pela portuense Beatriz da Conceição.
Pedro Jóia partilha depois o palco. Aos longos dos próximos temas, somos levados para uma sonoridade diferente, causada pela guitarra de Jóia, mas é um casamento que resulta na perfeição. Iniciando esta parte do concerto com a “Entrega”, de um poema de Pedro Homem de Melo, e terminando com “Tarab”, um poema Árabe, ambos os artistas evidenciam uma grande cumplicidade e entrega.
O Libanês Rabih Abou-Khalil, alguém que Ricardo confessou ter mudado a sua vida, partilha, com o seu oud, os temas “Grãos de Areia” e “Adolescência Perdida”, em mais um momento com uma sonoridade distinta, mas que ainda assim pareceu familiar e nada fora de contexto. Tínhamos sido levados para locais bem diferentes, mas havendo sempre um seguimento natural e genuíno, como se fora uma viagem pelo mundo do fado de Ricardo Ribeiro. Ambos abandonaram o palco, ouvindo-se uma guitarrada, impulsionada pela saudade de José Luís Nobre Costa.
Ricardo regressou e com ele voltou também o fado mais tradicional, com “De Loucura em Loucura”, “Não Rias” e “As Malhas do Amor” a serem executadas magistralmente. Todos os músicos subiram ao palco para agradecer ao público, que aplaudia de pé, extasiado. Ricardo regressou para um encore com “Alentejo” [outra vez com Abou-Khalil], fechando a noite com “Fama de Alfama”. Ninguém tinha dúvidas, tinha-se acabado de assistir a algo muito especial.
Seguiu-se uma sessão de autógrafos no exterior da sala, com um Ricardo muito feliz, mas esgotado. Confessei-lhe que, por muito injusto que pudesse parecer, não gostava muito de homens a cantar o fado – sempre achei que não conseguiam ser tão viscerais como as mulheres, dar-lhe aquele tom de sofrimento e dor tão característico. E lembrei-me que, quando vi Ricardo Ribeiro ao vivo pela primeira vez, em 2010, sem saber nada sobre ele, voltei para casa meio entorpecido, tal foi o efeito que teve em mim. Esta noite magnífica na Casa da Música provou isso mesmo – que Ricardo canta com a alma, e que ninguém consegue ouvi-lo cantar e ficar indiferente.
Texto e Fotos: Nuno do Carmo
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